No próximo sábado, dia 7 de maio, às 15h30, o Teatro Municipal acolhe uma sessão de homenagem ao escultor Manuel Sousa Pereira com o lançamento do livro “A Arte de um Sedutor” editado pela Árvore - Cooperativa de Actividades Artísticas CRL, seguida da inauguração da exposição "Coleção Particular" com curadoria de J. Pedro Martins, que reúne várias obras do escultor pertencentes a alguns colecionadores vilacondenses.
A entrada é gratuita, mediante levantamento de bilhetes no próprio dia até lotação da sala. É possível a reserva de bilhetes para os contactos 252 290 050 ou email teatromunicipal@cm-viladoconde.pt
Memória biográfica de Manuel Sousa Pereira pelo seu filho Pedro Sousa Pereira
Manuel José Andrade de Sousa Pereira, nasceu na rua de Santa Catarina, Porto, no dia 1 de setembro de 1939, terceiro de quatro irmãos; a família muda-se pouco depois para a rua Dr. João das Regras, perto da Praça da República. Nos anos 1940 sofreu uma grave doença pulmonar salvo pela “penicilina que inicialmente se vendia no ‘mercado negro’”, após o final da II Guerra Mundial, tendo sido obrigado a estudar em casa. Faz os estudos primários no Jardim Escola João de Deus.
Do período da II Guerra Mundial, no Porto, sempre falou da influência britânica por parte do pai, Alfredo Sousa Pereira, contabilista. Da década de 1940 recordava também o “prazer que tinha em construir os próprios brinquedos, sobretudo carros de rolamentos e modelos de aviões” e do “roubo das placas das ruas da baixa do Porto” que colecionava com um amigo da escola. Até ao dia em que foram “surpreendidos” a tentar retirar a placa da Praça D. Pedro V.
“A música do filme ‘Sementes de Violência’ começa com o ‘Rock around the Clock’ e isso fez-me ver o filme várias vezes no cinema. Foi uma explosão de novidade”, contava recordando que até essa altura ouvia sobretudo música sinfónica: “Nunca gostei de Wagner, passei a adorar Beethoven, rock’n’roll e a música dos filmes de cowboys”, recordava.
As conversas sobre o Portugal “’salazarento’ e parado” dos anos 1950 eram recorrentes assim como as conversas acerca da literatura e da música do tempo do liceu, muito marcadas pelas culturas britânica e norte-americana.
Participou nas manifestações na baixa do Porto de apoio ao General Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958: “nunca vi tanta gente, nem no São João”, dizia.
Manteve até à morte os livros que leu nos anos 1950 sendo que, da altura em que estudava no liceu destacava igualmente uma edição de “Obras Completas de Frederico Garcia Lorca” oferecida pelo pai.
Frequentava o Café Satélite, na zona do Marquês.
No início da década de 1960 passou a frequentar o Café São Lázaro na altura em que participa nos protestos académicos do Porto e de Coimbra.
Em 1962 juntou-se à greve académica (Dia do Estudante), em Coimbra, tendo sido referenciado pela PIDE pelas atividades de contestação estudantil. Em 1963 é um dos sócios fundadores da Cooperativa Árvore. Em meados dos anos 1960 entra para o curso de Escultura da Escola Superior de Belas Artes do Porto, casou-se (primeiro casamento) e obrigado a interromper os estudos é mobilizado, para a Guerra Colonial, tendo sido enviado para Angola integrando o Batalhão de Artilharia 776 no Kuanza Sul.
No início dos anos 1970 faz as primeiras viagens a Londres e à Holanda. Desta altura aumenta a coleção de discos, sobretudo soul, blues e rock e de livros de arte contemporânea: escultura, pintura e artes decorativas. Executa a escultura (alto relevo) em bronze do Marquês de Marialva para a Câmara Municipal de Cantanhede. Comprou a primeira moto, Suzuki 350, “um símbolo de liberdade”.
Paralelamente, mantinha um atelier de escultura na Foz do Douro e frequentava os cafés “Piolho”, perto da Praça dos Leões e o “Ressaca”, na Foz, e o restaurante “Botas”.
Desta época, desenha uma série de posters editados pela Livraria Paisagem (Porto) sobre o cantor José Afonso; “Che” Guevara e ainda outro com a frase “A Paz é Possível” (Paulo VI).
Faz as ilustrações para um livro do poeta Papiniano Carlos e desenvolve uma série de trabalhos como designer para a empresa Prometalix, mobiliário em fibra de vidro, que expôs várias vezes no Porto.
Após o divórcio passa a viver na Rua da Constituição, Rua de Cedofeita e mais tarde no Carvalhido.
A partir de 1977 passou a lecionar em Vila do Conde para onde vai viver permanentemente na primeira metade dos anos 1980. Em 1977 morre o pai, no Porto. Na Escola Secundária de Vila do Conde incentiva a criação dos cursos de Arte e Design.
Participa na organização do 1º Festival de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) para o qual executa o cartaz. Como escultor é autor de várias obras de arte pública para Vila do Conde, Matosinhos e São João da Madeira. Na década de 1980 viveu em três locais diferentes, em Vila do Conde, onde também manteve, durante vários anos, um programa semanal de rádio (pirata): “O Submarino Amarelo” e um atelier de escultura junto ao rio Ave. A coleção de discos adensa-se com jazz e blues. A música foi sempre inspiração para uma série de desenhos que geralmente oferecia, assim como se mantém como uma presença permanente nos locais de trabalho: na escola, em casa e no atelier.
Em Vila do Conde frequentava diariamente o Café “Bica Italiana”. Casa-se pela segunda vez.
Em 1989 nasce a primeira neta, Rita, que o tratava por “avô capitão” pela semelhança, dizia ela “com o capitão Hadock do Tintin. Com cachimbo”.
Nos anos 1990 executa uma série de obras para Vila do Conde: bustos dos escritores José Régio, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Eça de Queiroz e Luís de Camões.
Morte da mãe, Maria José. Divorcia-se pela segunda vez.
Realiza uma série de viagens a Macau, República Popular da China e Estados Unidos com o escultor José Rodrigues com quem retoma uma estreita colaboração que se iniciou na ESBAP e que se vai prolongar ao longo dos anos.
Casa-se pela terceira vez e regressa ao Porto.
A música mantém-se presente, gravações de jazz em vinil passam a ser discos compactos e documentários vídeo sobre jazz e swing.
Assenta arraiais no café do Largo do Campo Lindo e no “Convívio”, perto da Boavista, porque os cafés, dizia, têm de ter “quiosque com jornais, revistas e tabaco de várias marcas”.
No início do século XXI é cada vez mais estreita a colaboração com o escultor José Rodrigues envolvendo-se na Fábrica Social, em Santa Catarina.
Em meados da década divorcia-se pela terceira vez e reforma-se como professor.
Realiza uma viagem que considerou “histórica” com a minha irmã a Nova Iorque e passava temporadas em Lisboa, cidade que gostava de visitar apesar de ter “demasiada luz”.
Em Lisboa, nascem as duas netas, Leonor alcunhada de “Feijão” e Carlota que sempre gostou particularmente de o visitar no atelier.
Durante os anos da crise económica e financeira continuou solidário com os movimentos de esquerda e participando nas manifestações de protesto “contra a ‘troika’” assim como mostrava indignação sobre a “invasão desumana do Iraque e do Afeganistão”.
Passou a usar a internet com frequência, mas manteve a leitura diária dos jornais.
Na segunda década do século XXI realizou várias viagens à Europa para “visitar museus e ver esculturas”.
Passava as mãos nas esculturas nos museus mais vigiados do mundo apesar dos avisos porque as esculturas, declarava, “são para serem tocadas, mesmo a Vénus de Milo ou os Escravos de Miguel Ângelo e quero que se ‘lixe’ a polícia.”
A morte da irmã mais velha, Maria do Carmo, e do irmão mais novo, António marcam-no profundamente assim como o desaparecimento de José Rodrigues, em 2016, de quem era sobretudo grande Amigo.
Deixou de fumar, mas continuou a guiar as motos e a beber cafés matinais no Largo do Campo Lindo.
Como todos os “Sousa Pereira” começou a ficar surdo ou como dizia “vocês falam demasiado baixo” tendo também iniciado um processo lento de cegueira que se foi acentuando ao longo dos últimos anos, até à morte.
No inverno, particularmente frio e marcado pelas contingências da crise sanitária, de 2020 montou um atelier junto à lareira na sala de estar, em casa, e com o auxílio de mil lupas começou a fazer uma medalha de grandes dimensões com as iniciais SP (Sousa Pereira), em barro.
Disse na altura que “um escultor nunca pode parar de trabalhar e se não tem nada para fazer pelo menos deve varrer o chão do atelier para pensar no que tem de fazer a seguir”.
Nos últimos meses começou a falar de acontecimentos vividos na Guerra Colonial.
O meu pai morreu de Covid-19 (SARS CoV-2) pouco antes do início do processo de vacinação, no dia 8 de fevereiro de 2021.
Deixou muito trabalho, histórias, uma infinita memória e uma valiosa herança de humanismo, arte e bom gosto.
O resto? Um dia conto-te se formos ao “Piolho” ao fim da tarde. Pode ser que te explique porque é que a escultura é importante para a vida das pessoas, segundo o velho Manuel Sousa Pereira.
Inf. Via https://www.cm-viladoconde.pt/pages/655?news_id=6273
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